Jorge Luiz Souto Maior avalia que reforma atende somente a interesses de grandes conglomerados econômicos
Romero Jucá (PMDB-RR), relator da reforma trabalhista na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, anunciou na última semana o projeto de lei da Câmara (PLC) 38/2017 (que trata das mudanças) será analisado nesta quarta (28). A votação ocorrerá uma semana após uma pequena vitória da oposição na última terça (20), quando a reforma foi rejeitada pela Comissão de Assuntos Sociais por 10 votos a 9 –”pequena” porque somente o plenário, com os 81 senadores, poderá arquivar o texto definitivamente.
Conforme suas prerrogativas, a CCJ tratará principalmente de aspectos constitucionais da proposta, que, segundo o juiz Jorge Luiz Souto Maior, “representa uma reversão de quase todo avanço jurisprudencial concretizado nos últimos anos em direção da ampliação da proteção jurídica dos trabalhadores e do emprego”.
Professor de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e titular da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí/SP, ele avalia que a reforma trabalhista implementaria “condições de trabalho que afrontam a Constituição”, e que nenhum ponto do PL se salva.
“Entre os mais de 200 dispositivos da reforma, não há um sequer que fora pensado para melhorar a vida dos trabalhadores. É um grande ataque aos direitos trabalhistas e sociais, para atender a interesses de grandes conglomerados econômicos”, afirmou em entrevista ao Brasil de Fato.
Souto Mario destaca ainda que o fato de o Senado concordar em alterar o texto, mesmo estando sob pressão do Palácio do Planalto, mostra a inconsistência da reforma.
Confira a íntegra da entrevista:
Brasil de Fato: É possível apontar, na reforma, quais são os pontos que mais prejudicam os trabalhadores?
Jorge Luiz Souto Maior: A reforma deve ser vista como um todo, e o que ela representa na totalidade é um grande ataque aos direitos trabalhistas e sociais para atender a interesses de grandes conglomerados econômicos, fora de qualquer contexto de um projeto para o país. Entre os mais de 200 dispositivos da reforma, não há um sequer que fora pensado para melhorar a vida dos trabalhadores.
Adianta o governo alterar alguns pontos da reforma, como vem sinalizando?
É exatamente isso que se quer: fazer parecer que foram acatadas algumas críticas para, no geral, passar uma reforma que muda o rumo da correlação de forças no âmbito das relações de trabalho, afastando a lógica social e a própria atuação da Justiça do Trabalho.
E vale reparar que o ato do Senado em admitir que a lei deve ser consertada por medida provisória representa, ao mesmo tempo, um reconhecimento da inconsistência do projeto, da supressão do processo democrático, da falência do próprio Congresso em cumprir o seu papel de legislar, deixando de servir ao interesse popular.
E não precisa ser nenhum expert para saber que medidas provisórias editadas por sugestão do Congresso para corrigir falhas do processo legislativo são completamente fora dos parâmetros do instituto em questão.
Qual a extensão das mudanças em relação à justiça trabalhista ?
A reforma representa uma reversão de quase todo avanço jurisprudencial concretizado nos últimos anos em direção da ampliação da proteção jurídica dos trabalhadores e do emprego, retomando a eficácia da Constituição que ficou abalada na década de 1990 e no início dos anos 2000.
O que se fez no projeto dessa reforma foi tentar transformar em lei as teses jurídicas favoráveis a interesses econômicos imediatos e que foram vencidas nos tribunais e, em complemento, buscar impedir que os debates jurídicos sobre essas questões retornem aos tribunais, pois se sabe do risco de as decisões judiciais reverterem o quadro regressivo.
Um dos argumentos do governo para votar a reforma é que ela irá gerar emprego. Qual a sua avaliação sobre isso?
Todos os estudos já realizados pela OIT [Organização Internacional do Trabalho] e pela ONU [Organização das Nações Unidas] – e tantos outros – demonstram que a redução de direitos traz consigo menor circulação da moeda, agrava a crises e, por consequência, piora o nível de empregabilidade.
De todo modo, o que o governo está oferecendo não são empregos, mas subempregos, ou seja, empregos precários, que tendem a invadir o espaço dos atuais empregos plenos. E nem precisa ir muito longe para saber isso: o Brasil já vem adotando essa política desde 1965 e ela não gerou nenhum efeito benéfico no nível do emprego – pelo contrário: aumentou a exploração do trabalho e, consequentemente, piorou a distribuição da renda produzida.
O governo e sua base repetem que a aprovação das reformas previdenciária e trabalhista é importante para dar um sinal ao mercado financeiro. Isso não é retórica: trata-se de confissões explícitas já feitas por Rogério Marinho [do PSDB-RN, que foi relator da reforma trabalhista na Câmara], Rodrigo Maia [presidente da Câmara dos Deputados, do DEM-RJ] e pelo próprio [Michel] Temer.
Juridicamente, isso representa uma total ilegitimidade de qualquer lei que advenha desse processo legislativo nitidamente viciado, ainda mais quando o propósito, como é fácil comprovar pelo exame do teor do PL, é o de abafar uma Constituição Federal democraticamente construída e que contou com intensa participação popular.
Se a reforma passar, qual será o impacto no dia a dia do trabalhador?
Ainda conto com a não aprovação da reforma. O próprio setor econômico, juridicamente bem instruído, tem a consciência da insegurança jurídica que se submeteria com a implementação de condições de trabalho que afrontam a Constituição. Mas é claro que a situação, se aprovada a reforma, tende a ser bem pior para os trabalhadores, pois a reforma estimula uma concorrência fratricida entre os empregados e isso se faz, geralmente, pelo aumento da exploração e da piora das condições de trabalho.
Então, o efeito não é apenas o da redução de direitos, mas, principalmente, o do aumento do sofrimento no trabalho, gerando acidentes, doenças, assédio, sem contar o rebaixamento do nível de consciência em torno da condição humana.
O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Martins Filho, apresentou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reclamações disciplinares contra você e a juíza Valdete Souto Severo por causa de um artigo contra a reforma. Como você avalia essa tentativa de censura?
Por enquanto, não quero me manifestar sobre isso, pois não fui intimado. Assim, ainda tenho a expectativa de que o CNJ não dê continuidade a essa situação.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
Fonte: Brasil de Fato
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