Todos já ouviram a mesma cantilena: O Brasil é o “campeão mundial” de ações trabalhistas, com quase quatro milhões de reclamações ao ano, enquanto os EUA teriam apenas 75 mil. Todos que defendem a reforma trabalhista repetem este mantra, como se ele fosse um fato “público e notório”.
Por Cássio Casagrande*
Os deputados e senadores alardeiam este dado como se fosse a mais cristalina verdade. Até o Ministro do STF Luis Roberto Barroso entrou inadvertidamente neste baile. Mas esta afirmação não tem base factual alguma. Ela é resultado de uma manipulação grosseira e bizarra de dados, como demonstrarei neste artigo.
Sempre fiquei intrigado com esse número atribuído aos EUA. Não precisa muita sagacidade para perceber que não faz nenhum sentido a suposta existência de meros 75 mil processos trabalhistas anuais em um país industrial de 325 milhões de habitantes, onde prevalece uma forte cultura de litigância judicial, um contingente enorme de advogados demandistas ávidos por honorários e uma legislação laboral federal e estadual complexa… Quem conhece minimamente os EUA sabe que naquele país há firmas de advocacia enormes especializadas em employment law (direito do trabalho). Outros grandes escritórios de litigância civil têm departamentos jurídicos próprios para atuar em controvérsias laborais. Mas se só há 75 mil ações trabalhistas por ano nos EUA, do que estes advogados sobrevivem? Como mantêm seus luxuosos escritórios? Como será possível que estes advogados tenham ficado milionários advogando em causas trabalhistas se os trabalhadores não processam os patrões?
Vamos aos fatos, mas antes de mais nada precisamos descobrir o seguinte: de onde afinal saiu este número irreal de 75 mil ações trabalhista nos EUA? Se o leitor digitar em um buscador da internet “75 mil ações trabalhistas”, encontrará uma profusão de sites noticiosos brasileiros repetindo a mesma ladainha sobre a litigiosidade laboral nos EUA. Mas, coisa curiosa, nenhum, absolutamente nenhum, cita a fonte.
Com a ajuda do Google, constatei que a menção mais antiga existente sobre as tais 75 mil ações anuais trabalhistas americanas é a de um artigo de José Pastore, publicado no longínquo ano de 1999 (há quase vinte anos) na imprensa. Para quem não o conhece, José Pastore é um professor da USP, sociólogo especialista em relações do trabalho e consultor da Confederação Nacional da Indústria. É um defensor vigoroso da desregulação do mercado de trabalho e dos interesses do patronato em matéria trabalhista. Pois bem, o professor Pastore, neste artigo de 1999, lançou este dado no ar, mas um detalhe chama a atenção: naquele trabalho não há indicação de qualquer fonte. E a partir daí todos na grande imprensa passaram a repetir a suposta estatística, sem perguntar-lhe a origem nem averiguar sua veracidade.
Procurei checar a informação em toda a internet. Verifiquei todas as estatísticas judiciárias dos EUA disponíveis. Não há nenhum dado indicando este número. A OIT não possui nenhum estudo a respeito. Em síntese, não há em toda a rede mundial (pelo menos em inglês, português, espanhol, francês e italiano), um único artigo – de imprensa ou (supostamente) científico – que indique a fonte de onde se concluiu que os EUA têm apenas 75 mil ações trabalhistas anuais. Nada, nenhuma referência, nenhuma indicação de fonte estatística.
Não fui somente eu quem estava achando esta história estranha. O competente repórter econômico Ricardo Marchesan, do UOL, resolveu investigar o caso. Ele me telefonou, sabendo que eu possuo um conhecimento básico acerca do funcionamento do sistema judicial americano e do direito do trabalho daquele país. Perguntou-me se eu sabia qual a fonte das tais 75 mil ações trabalhistas dos EUA. Disse-lhe que o único registro existente a respeito é do artigo do professor José Pastore.
Informei-o de que não há nenhuma estatística oficial dos EUA apontando esse número. Ele telefonou para o professor Pastore, que inicialmente indicou-lhe como fonte o próprio artigo que escrevera nos anos 1990. Diante da insistência de Marchesan, após alguns dias, Pastore informou que na época combinou dados de duas fontes: as estatísticas da Equal Employment Opportunitty Commission e da US Courts, a Justiça Federal dos EUA. Mistério resolvido: os dados são totalmente equivocados porque as fontes estão erradas e incompletas. Vamos por partes.
Primeiro: a Equal Employment Opportunitty Commission não é um órgão judicial e as reclamações ali apresentadas não são ações judiciais. Além disto, como diz o próprio nome, cuidam apenas de questões relativas à discriminação no trabalho. A EEOC é uma agência independente do poder executivo federal. Sua atividade é de law enforcement, vale dizer, sua função essencial é promover o cumprimento da lei. Ou seja, é uma instância administrativa e não judicial. Ela pode até celebrar acordos extrajudiciais entre patrões e empregados, mas, repita-se, é um órgão administrativo do Poder Executivo. Não exerce jurisdição.
E, como já dito, cuida apenas de um aspecto da legislação trabalhista: discriminação no trabalho; ela não examina, por exemplo, questões de excesso de jornada, acidentes, reconhecimento de vínculo de emprego ou planos de previdência privada vinculados ao contrato de trabalho. Admitir estes dados como exemplo de judicialização é um erro metodológico crasso, que meus alunos do segundo ano de Direito não cometeriam. Seria como comparar goiabada com feijoada. É algo tão aberrante em termos estatísticos como um pesquisador americano usar os dados de denúncias no Ministério do Trabalho sobre discriminação para daí tirar conclusões sobre o número de ações trabalhistas no Brasil.
Segundo: os dados da Justiça Federal dos EUA – supostamente usados pelo professor Pastore – são absolutamente insuficientes para se chegar a qualquer conclusão quantitativa sobre o número de ações trabalhistas nos EUA. E é fácil compreender o porquê. Nos EUA, o trabalhador pode escolher onde ajuizar a sua ação trabalhista, se na justiça federal ou estadual. A competência é concorrente. A justiça federal daquele país é extremamente restritiva (limited jurisdiction), e recebe apenas uma parte ínfima de todos os processos ajuizados no país. Há nos EUA apenas 1.700 juízes federais e 30.000 juízes nos estados. Em média, a Justiça Federal americana recebe apenas um milhão e meio de processos por ano, enquanto que na Justiça dos estados (descontadas questões de trânsito e pequenas causas) são protocolados anualmente 30 milhões de novos processos. Além disto, metade dos processos da Justiça Federal refere-se a casos de falência (bankruptcy). Outra parte grande (aproximadamente 200 mil) é de processos criminais. Há também neste número os chamados pretrial cases, procedimentos judiciais preliminares. Na verdade, são protocolados na Justiça Federal americana pouco menos de 300 mil ações civis todos os anos, dentre as quais estão as trabalhistas, que por variadas razões foram para esta jurisdição. Calcula-se, conforme a fonte acima referida, que a Justiça dos estados reúna 15 milhões de novas ações civis protocoladas ao ano. Ou seja, a Justiça Federal detém somente 2% das ações civis ajuizadas no país (o conceito de “ação civil” do direito americano é diferente daquele do direito romano-germânico; lá ações civis são basicamente ações de indenização por dano contratual – contract causes – e extracontratual – tort causes –, excluindo-se, por exemplo, direito de família e falimentar – mas incluindo-se as trabalhistas). Então percebe-se que os números absolutos reunidos pelo professor Pastore teriam sido coletados apenas neste universo de 2% de todas as ações civis ajuizadas nos EUA.
Para se ter uma ideia, somente o Judiciário estadual da California recebe anualmente quatro vezes mais processos (6,8 milhões) do que toda a Justiça Federal dos Estados Unidos. E é justamente na Justiça dos estados onde está o grosso dos processos trabalhistas nos EUA. E pesquisar a justiça estadual dos EUA não é uma tarefa nada simples. Em razão do altíssimo grau de autonomia federativa do modelo constitucional americano, cada estado organiza seu sistema judiciário de forma distinta. Dentre os 50 estados americanos, não há sequer dois que tenham uma estrutura judicial idêntica (ao contrário do que ocorre no Brasil, onde as justiças estaduais são razoavelmente uniformes). E, pior, cada um produz suas estatísticas judiciais de acordo com critérios metodológicos próprios. Outra dificuldade para os fins aqui em questão: grande parte dos estados não distingue as ações trabalhistas de outros litígios civis contratuais (contract causes) para fins estatísticos.
E, além de tudo, mais um complicador: não há um órgão nacional oficial que sistematize e uniformize as estatísticas das justiças estaduais (como o faz aqui o CNJ). Este, aliás, é o mesmo motivo pelo qual os EUA têm um sistema eleitoral caótico, já que cada estado organiza as eleições (inclusive para a Câmara dos Representantes e Senado) de forma distinta. Eu me atreveria a dizer que nem mesmo os norte-americanos sabem com precisão o número de ações trabalhistas ajuizadas a cada ano na justiça dos estados. O National Center for State Courts (Centro Nacional de Cortes Estaduais, uma organização independente e sem fins lucrativos que pesquisa o judiciário estadual dos EUA), em um dos seus boletins, declara que “apesar da atenção da mídia e do interesse público, os casos civis nas cortes estaduais permanecem enigmáticos e não têm sido objeto de pesquisa ampla”.
Evidentemente, uma análise profunda sobre ações trabalhistas em todos os estados, do Alabama ao Alaska, demandaria muito tempo e dinheiro, pois cinquenta pesquisas diferentes teriam que ser produzidas e depois combinadas. Mas com algum esforço e boa-fé podemos jogar alguma luz sobre a questão. Tentaremos estabelecer qual é o padrão de litigância trabalhista na Justiça Federal e o aplicaremos à Justiça dos estados, em face da competência concorrente para julgar os employment cases.
Vamos lá. A Justiça Federal norte-americana de primeira instância recebeu em 2016 o total de 291.851 ações civis, dentre as quais as ações relativas a disputas patrão-empregado. Destas ações civis, 32.480 são ações que no Brasil consideraríamos “trabalhistas”, pois decorrem de questões sobre discriminação no trabalho (envolvendo a Civil Rights Act e Americans with Disabilities Act) e de direitos relativos a reconhecimento de vínculo de emprego, diferenças salariais e horas extras (Federal Labor Standards Act – FLSA) e planos de previdência privada decorrentes do contrato de trabalho (Employment Retirement Income Security Act – ERISA).
Ou seja, 11,18% das ações civis na Justiça Federal dos EUA são ações de natureza trabalhista. Mas, repita-se, este é um universo de apenas 2%, porque as mesmas ações trabalhistas são ajuizadas também na Justiça dos estados, em razão da competência concorrente nesta matéria. Bem, a Justiça Federal cobre todos os Estados Unidos, de modo que, embora receba apenas uma parcela ínfima dos processos, ela representa uma amostragem perfeita da litigância nacional em matéria trabalhista. Assim, projetando-se este percentual de 11,18% sobre os quinze milhões de ações civis nas justiças estaduais, há razoável segurança para estimar que os processos trabalhistas na Justiça dos Estados devem girar em torno de 1,7 milhão ao ano.
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Além dos erros metodológicos elementares e primários acima demonstrados, qualquer debate sobre ações trabalhistas nos EUA não pode desconsiderar a realidade das ações coletivas naquele país, como já abordamos em artigo anterior aqui publicado. Pode parecer até que a estimativa altamente conservadora que fizemos acima (de 1,7 milhão de ações trabalhistas anuais), demonstre que os EUA teriam muito menos litígios trabalhistas do que o Brasil. Mas ocorre que as class actions geram um efeito multiplicador no número de litigantes. Como se sabe, neste sistema, que vigora desde 1938, com a introdução da Federal Rule 23 of Civil Procedure, um único litigante pode representar em juízo o interesse de todos os demais que se encontram sob idêntica situação de fato e de direito.
Ou seja, as lesões de massa (como tipicamente ocorre nas relações de trabalho) são tratadas coletivamente. Quando uma empresa, com sua conduta, viola uma multiplicidade de trabalhadores (ou consumidores), basta que um deles ingresse em juízo para defender o direito de toda a classe. De modo que uma única ação (assim computada para fins estatísticos) envolve na verdade centenas, milhares e não raro milhões de litigantes. E as class actions trabalhistas são altamente utilizadas na justiça estadual. Um estudo produzido pelo Judiciário do estado da Califórnia no ano de 2009 revela que elas ali representam 40% das ações coletivas ajuizadas. Portanto, quem quer de boa-fé comparar o Brasil e os EUA em questões trabalhistas não pode simplesmente ignorar esta diferença decorrente da ampla adoção das class actions em matéria laboral.
Para ilustrar, basta refletir sobre o recente caso da conhecida empresa Boeing. Ela foi processada por um empregado na Justiça Federal de Illinois, em razão de alegada má administração dos fundos de pensão dos empregados (Lei ERISA de 1974). Durante o processo, houve um acordo de US$ 57 milhões, o qual será dividido entre 190 mil trabalhadores. Ou seja, somente nesta ação estavam representados processualmente 190 mil litigantes – mais, portanto, do que todas as supostas 75 mil ações existentes no país…
Sim, o Brasil possui também um sistema de ações coletivas (Constituição, arts. 5º, XXI, 8º, III e Leis 7347/85 e 8078/90). Mas elas não têm a amplitude do sistema americano. Aqui um litigante individual não pode representar os demais, há necessidade de intervenção de uma associação ou sindicato e a jurisprudência é extremamente restritiva quanto ao cabimento de tais ações (vide a recente decisão do STF no RE 612.043/PR).
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Se alguém ainda duvida da litigiosidade laboral nos EUA, recomendo pesquisar na internet escritórios de advocacia norte-americanos especializados na matéria (employment ou labor lawyers). Em seu material publicitário – como é comum por lá –, muitos destes advogados divulgam publicamente quantos milhões de dólares já conseguiram obter em favor de seus constituintes. Eis aqui dois breves exemplos, na California e no Illinois, dentre milhares de advogados trabalhistas americanos bem-sucedidos. O sagaz leitor perceberá que estes advogados não estão morrendo de fome por falta de clientes.
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Bem, se os dados sobre as folclóricas 75 mil ações trabalhistas nos EUA foram obtidos da forma como vimos acima, fico imaginando como não foram produzidos os dados sobre países como o Japão, um dos quais tem sido invocado como exemplo pelos defensores da reforma trabalhista. Qualquer estudioso de direito comparado sabe que a principal dificuldade em comparar sistemas jurídicos é de que eles podem ser estruturados de forma completamente distinta e isto sempre deve ser levado em conta. Também é preciso assumir que algumas comparações são simplesmente inviáveis, pois envolvem o aspecto cultural e sociológico do Direito e do Judiciário de cada país. Sigo, neste particular, as lições do saudoso Professor John Merryman, da Universidade de Stanford, que no seu clássico A Tradição da Civil Law lembrava que comparar tradições ou sistemas jurídicos pode ser tão enganoso quanto determinar qual a melhor língua, se o inglês ou o francês.
Parece-me que os “especialistas em relações de trabalho” ignoram isto. Mas, em todo o caso, não precisamos esmiuçar as fontes dos dados por eles utilizadas a respeito da litigiosidade laboral no Japão, Alemanha, Itália e França, para perceber que cometem um erro que beira a má-fá: eles estão utilizando dados absolutos. Ao dizer, por exemplo, que a Alemanha tem “apenas” 600 mil ações trabalhistas enquanto o Brasil tem 3,5 ou 4 milhões, eles estão ignorando que qualquer dado sobre litigiosidade laboral só faz sentido se os dados absolutos forem cotejados com a população economicamente ativa. E isto me parece evidente: o debate quantitativo sobre litigiosidade laboral deve partir da premissa de quantos em cada cem potenciais trabalhadores procuram o judiciário para resolver disputas com seus patrões. Isto é de uma obviedade total.
Pois bem, incrivelmente, nenhum dos defensores da reforma trabalhista teve o cuidado de fazer esta conta. Não há em toda a internet brasileira qualquer dado ponderado de ações ajuizadas em face da população adulta economicamente ativa. Os dados mostrados pelos pesquisadores pró-reforma são sempre absolutos.
Vamos pegar apenas o caso da Alemanha, que tem uma média de 600 mil ações trabalhistas anuais segundo o professor Wolfgang Daubler, da Universidade de Bremen. Conforme dados do Banco Mundial, a população economicamente ativa da Alemanha é de 42 milhões de habitantes, o que dá uma taxa de litigiosidade de 1,4% (entre um e dois trabalhadores a cada cem procuram a Justiça para processar o empregador). O Brasil, com uma população economicamente ativa de 102,5 milhões, tem tido uma média de 3,5 milhões de processos trabalhistas ao ano, ou seja, taxa de litigiosidade de 3,4% (entre três e quatro trabalhadores a cada cem ajuizam ações trabalhistas). Nossa taxa é, portanto, ligeiramente maior, sim, mas longe da aberração que se propaga. Eu particularmente suponho que essa diferença decorra do melhor desenvolvimento das instâncias administrativas responsáveis pelo law enforcement na Alemanha – mas aqui estou no campo da mera especulação.
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Tenho grande respeito intelectual pelo trabalho acadêmico do professor e ministro Luis Roberto Barroso, e meus alunos podem atestar que lhes indico seus livros na bibliografia de meu curso de Teoria da Constituição, na UFF. Já li tudo que ele publicou e sempre ouço com grande reverência as suas opiniões (ainda que não concorde com várias delas). Eu diria que Luis Roberto Barroso é possivelmente o homem público mais culto do país e uma rara inteligência. Exatamente por isso, causou-me um grande espanto o que o ministro disse a propósito da Reforma Trabalhista. Ele foi a Londres participar de um seminário sobre o Brasil e declarou naquele colóquio o seguinte despautério (transcrevo literalmente, está no YouTube, a partir do minuto 55:08): “A gente na vida tem que trabalhar com fatos e não com escolhas ideológicas prévias. O Brasil, sozinho, tem 98% das ações trabalhistas do mundo”.
Bem, segundo minha calculadora, os “fatos” apresentados pelo ministro Barroso indicariam o seguinte: se as quatro milhões de ações trabalhistas nacionais representam 98% do total mundial, e se todos os demais países do mundo reunidos têm somente 2% delas, restam apenas … 81 mil ações trabalhistas anuais! Em todo o planeta! Não existe nenhum estudo nacional ou internacional que respalde tamanha bizarria. Com o devido respeito que merece o ministro e professor Barroso, a afirmação é surreal. Observe-se que o ministro não estava usando uma figura de linguagem, pois disse expressamente que estava “trabalhando com fatos”. Ele deveria, portanto, apresentar as suas fontes científicas. Não precisa conhecer direito comparado para perceber que o número é o mais absoluto disparate. Já vimos acima que nos EUA as ações trabalhistas são contadas na casa do milhão – numa estimativa conservadora e desconsiderado o efeito multiplicador das class actions. E que, segundo o professor da Universidade de Bremen Wolfgang Däubler, há 600 mil ações trabalhistas anuais somente na Alemanha. A Itália teria cerca de 300 mil ações laborais anuais de acordo com os próprios defensores da reforma. E onde estão os dados dos países que têm órgãos judiciais semelhantes à nossa Justiça do Trabalho? Por exemplo, Austrália, Inglaterra, Suécia, África do Sul, etc., etc…
Além disso, sabemos que há cadeiras de Direito do Trabalho nas melhores universidades do mundo da Civil Law. Há milhares de professores que ensinam a matéria. Há associações nacionais e internacionais de advogados trabalhistas que congregam milhares de membros. Há publicações especializadas em direito laboral em todos esses os países de tradição romano-germânica. Todos divulgam a farta jurisprudência das cortes nesta questão. Porém, segundo a estatística do ministro do STF, todos esses profissionais estão condenados à falência e insignificância, pois, tirante o Brasil, só são ajuizadas 81 mil ações trabalhistas anualmente em todos os cinco continentes.
O grave é que esta assertiva do ministro Barroso, apesar de irreal e estapafúrdia à olho nu, proferida sem referência a base estatística ou factual alguma, foi reproduzida textualmente pelo senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) nas páginas 58-59 do relatório da reforma trabalhista, que indicou como fonte … a autoridade do ministro Barroso. Então veja-se a que ponto chegamos: o relatório que propõe restringir a jurisdição da Justiça do Trabalho por suposto excesso de litigância foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, com base em dados manifestamente falsos.
Sabemos que o ministro Barroso prima pela honestidade intelectual e que é um homem de boa vontade, que quer o melhor para o país. Acredito que ele se deixou levar pelo oba-oba da reforma trabalhista e citou este dado “de orelhada”, fiando-se em algum “pesquisador de relações do trabalho”. (Se assim não foi, como ele fez uma comparação do Brasil com o “resto do mundo”, o que me intrigaria ainda mais é saber de onde ele tirou os dados sobre o número de ações trabalhistas ajuizadas na Tanzânia, no Sri Lanka e na Papua Nova Guiné). Esperemos, portanto, que o ministro Luis Roberto Barroso envie um ofício ao senador Ferraço, pedindo que a sua declaração “non-sense” seja retirada do relatório da reforma.
*Cássio Casagrande é bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, com especialização em Direito do Trabalho e mestre em Relações Internacionais pela PUC-Rio
Fonte: Vermelho.org.br https://credit-n.ru/order/zaim-finterra.html https://credit-n.ru/contact.html https://credit-n.ru/order/zaymyi-oneclickmoney-leads.html