Avanços trabalhistas, porém, não se alcançam pacificamente. Semanas antes da aprovação da medida, o jornal O Globo publicou uma reportagem em que patrões e economistas previam que o 13º sobrecarregaria as empresas e pressionaria a inflação. Para forçar a aprovação, sindicatos de trabalhadores organizaram abaixo-assinados, passeatas, piquetes e greves
Ricardo Westin, da Agência Senado
Se fim de ano é sinônimo de dinheiro extra no bolso, os créditos precisam ser dados a uma lei que chegou aos 54 anos na semana retrasada. Em 13 de julho de 1962, o presidente João Goulart assinava a criação do 13º salário.
No artigo primeiro, a lei prevê: “No mês de dezembro de cada ano, a todo empregado será paga, pelo empregador, uma gratificação salarial, independentemente da remuneração a que fizer jus”.
Também chamado de gratificação de Natal, o 13º é uma das conquistas históricas dos brasileiros no campo trabalhista, comparável ao salário mínimo, às férias remuneradas e ao FGTS.
Até então, o bônus natalino era um presente que algumas empresas davam, por iniciativa própria, aos funcionários. Muitas vezes, o valor era inferior ao do salário mensal.
O autor do projeto de lei do 13º obrigatório foi o deputado federal Aarão Steinbruch, um advogado que antes de ingressar na política havia sido consultor de sindicatos.
Avanços trabalhistas, porém, não se alcançam pacificamente. No início dos anos 1950, uma proposta parecida havia chegado à Câmara mas foi logo derrubada.
Semanas antes da aprovação do texto de Steinbruch, em abril de 1962, o jornal O Globo publicou uma reportagem em que patrões e economistas previam que o 13º sobrecarregaria as empresas e pressionaria a inflação. O título: “Considerado desastroso para o país o 13º mês de salário”.
Para forçar a aprovação do projeto, sindicatos de trabalhadores organizaram abaixo-assinados, passeatas, piquetes e greves. Representantes viajaram à recém-inaugurada Brasília para tentar convencer deputados, senadores e o ministro do Trabalho. Nos protestos, houve presos.
Mercado aquecido
Cinco décadas passaram, e os temores catastrofistas jamais se confirmaram. Não há notícia de empresa que tenha ido à ruína por causa do 13º.
O procurador José de Lima Ramos Pereira, responsável no Ministério Público do Trabalho pelo departamento que combate fraudes trabalhistas, explica que o 13º não é um dispêndio extra para os patrões:
— O empresário não tira do próprio bolso o dinheiro das horas extras, das férias ou do 13º. Inclui esses custos em seu produto ou serviço, repassa para o consumidor final. O 13º não é caridade do empresário.
Pelas regras atuais, o salário extra precisa cair na conta bancária em duas parcelas. A primeira metade, entre fevereiro e novembro. A segunda, em dezembro, até o dia 20.
O que se deu foi justamente o inverso daquelas previsões pessimistas. O salário extra tem se mostrado altamente benéfico para a economia.
Em 2011, pelas estimativas do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), só a segunda parcela do 13º injetou R$ 118 bilhões no mercado — 3% do produto interno bruto (PIB). O estudo não contabilizou o adiantamento.
Para o governo, é dinheiro que aquece o mercado, eleva a arrecadação de impostos e, no atual contexto, ajuda a proteger o país da crise internacional. Para o comércio e a indústria, é motivo de festa.
Com a gratificação natalina, as famílias pagam as despesas típicas de início de ano — IPTU, seguro do carro, IPVA, material escolar —, quitam dívidas e, naturalmente, compram os presentes de Natal.
No ano passado, 78 milhões de brasileiros receberam o 13º. Fazem parte desse grupo todos os aposentados, pensionistas e trabalhadores do mercado formal — incluindo domésticos, rurais, temporários e avulsos.
Projetos de lei
O Senado estuda projetos que tratam do 13º.
Um deles, do ex-senador Sérgio Zambiasi, eleva o valor que o patrão deposita na conta do funcionário. A proposta (PLS 685/07) livra o salário extra do desconto do Imposto de Renda e da contribuição previdenciária.
Em outra direção, dois projetos determinam que os brasileiros que recebem do governo o benefício de prestação continuada (BCP) façam jus a uma 13ª parcela.
No valor de um salário mínimo, o BCP é pago aos deficientes e idosos pobres que não podem ser sustentados por si sós nem por suas famílias. Divide-se em 12 parcelas.
O primeiro projeto (PLS 165/10) é do ex-senador Mão Santa. O segundo (PLS 79/11), do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE).
“Diferentemente dos trabalhadores, que atravessam essa época [o fim de ano] com alguma tranquilidade, devido à conquista da gratificação natalina, os beneficiários da Assistência Social vivem seu pior momento, diante do acúmulo de dívidas e ansiedade”, argumenta Mão Santa.
Problemas envolvendo o 13º salário são relativamente comuns, segundo o Ministério Público do Trabalho. Há empresas que não dividem o valor em duas parcelas, que pagam o valor errado (ignorando horas extras habituais e adicional de insalubridade, por exemplo) e que simplesmente não depositam o salário extra.
Os prejudicados devem buscar, primeiro, o departamento de recursos humanos da empresa; depois, o sindicato; e, por fim, o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho.
Patrões viam abono de Natal como gorjeta, diz ex-metalúrgico de 83 anos
O Jornal do Senado localizou em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, um ex-metalúrgico que participou das grandes passeatas nos anos 1950 e 1960 pela obrigatoriedade do 13º salário.
Hoje com 83 anos, Miguel Terribas Rodrigues trabalhou de 1943 a 1985 na siderúrgica Aliperti, na capital paulista. Foi seu primeiro e único emprego. Entrou aprendiz, numa época em que os salários eram semanais, e saiu aposentado.
Por telefone, ele concedeu ontem a seguinte entrevista:
Antes da lei do 13º, como era o fim de ano na siderúrgica em que o senhor trabalhava?
O abono de Natal dependia do humor da chefia. Alguns chefes não davam nada. Outros até davam alguma coisa, por livre e espontânea vontade, mas costumava ser muito pouco. Os patrões entendiam que o abono de Natal era uma gorjeta — não era obrigatória e era no valor que mais lhes fosse conveniente. Foi nas assembleias do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo que surgiu a ideia de incluir o abono de Natal na pauta de reivindicações dos trabalhadores. Assim, toda vez que pressionávamos os patrões por aumento de salário, pedíamos também o abono. Mais tarde, passamos a lutar para que o abono de Natal se tornasse lei, direito.
Participei de passeatas no bairro da Liberdade, onde ficava a sede do sindicato, na Praça da Sé e na Avenida Paulista.
O que mudou quando o 13º se tornou obrigatório?
Foi ótimo para os trabalhadores. Hoje, quem não conta os dias para receber o abono de Natal? Porém, como naquela época era novidade e não estávamos acostumados a tanto dinheiro, muitos companheiros não souberam aproveitar. Gastavam tudo de uma vez, desperdiçavam. Mas eu não. Eu soube tirar proveito. É claro que com o abono de Natal eu também tomava uma cervejinha e comprava o presente de Natal das crianças, mas não jogava fora. Guardava a maior parte, economizava. Com ele, comprei um terreno e construí minha casa humilde. Agora que estou velho e não posso trabalhar, vejo que foi importante ter usado bem os abonos de Natal.
O que o senhor sente quando lembra que participou de passeatas históricas pelo 13º?
Aquelas passeatas mostram a força dos metalúrgicos. Nós sempre dávamos o primeiro passo, e as demais categorias nos acompanhavam depois. Eu me sinto muito satisfeito de ter participado disso tudo, muito orgulhoso.
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